Casos como o do operário carioca Eduardo Leite, de 24 anos,
que teve o crânio perfurado por um vergalhão de quase dois metros de
comprimento, no último dia 15 de agosto, ainda desafiam os limites da ciência e
mostram que o cérebro é ainda muito mais resiliente do que médicos imaginavam.
“O cérebro ainda é um desconhecido, representa a última
fronteira do conhecimento”, disse ao UOL o diretor do hospital municipal Miguel
Couto no Rio de Janeiro, o médico Luiz Alexandre Essinger, que cuidou do caso
de Eduardo.
“Ele teve sorte, pois o vergalhão não atingiu a área
responsável pelos movimentos chamada de giro pré-central (principal área motora
do cérebro, o córtex motor) em nenhum dos dois lados, não pegou nenhum vaso
sanguíneo que gerasse hemorragia ou algum coágulo que poderia tê-lo levado à
morte antes de chegar ao hospital. O vergalhão atingiu apenas pequenas
artérias, não afetou a fala ou a visão, nem a consciência”, resume Essinger.
O diretor do hospital garante que, por enquanto, Eduardo
Leite se encontra psicologicamente bem. “O acidente não afetou as áreas do
raciocínio ou conexões entre neurônios. A área atingida foi praticamente
compensada pelas outras partes do cérebro, o cérebro foi se adaptando. O
cérebro é gelatinoso e se acomodou”, explicou.
Essinger comentou ainda que é possível que pessoas com
acidentes desta complexidade possam ter sequelas de comportamento, mudança de
personalidade ou alteração do humor, como um caso registrado em 1848 com o
americano Phineas Gage que, numa explosão, foi atingido por uma barra de 20
centímetros que perfurou sua bochecha esquerda e saiu pelo topo de seu crânio.
Naquela época, segundo registros, ele ainda conseguiu andar
mais de um quilômetro até um posto médico. Ele perdeu o olho esquerdo e teve a
parte frontal do cérebro totalmente comprometida e tendo seu temperamento
alterado.
Mas até agora com Eduardo Leite, não foi observada nenhuma
mudança no seu comportamento, admitiu o diretor do hospital. O paciente recebeu
alta médica no fim da manhã desta quinta-feira (30) e já pôde voltar para casa.
Entenda o caso
O jovem operário deu entrada por volta das 10h30 no hospital
municipal Miguel Couto, na Lagoa, zona sul do Rio, no último dia 15, após ser
atingido por um vergalhão que estava sendo içado na obra em que trabalhava, no
bairro de Botafogo, e que despencara de uma altura de 15 metros.
A barra de ferro perfurou a região parietal direita de cima
para baixo e de trás para frente do cérebro atravessando o crânio e saindo no
meio dos olhos, um pouco acima do nariz, descreveu Essinger que estava presente
naquela manhã de quarta-feira.
“Ele chegou no hospital acordado, falando e consciente. Os
bombeiros tiveram que cerrar o vergalhão para que o paciente fosse transportado
para o hospital, ele veio imobilizado com proteção no pescoço”.
Eduardo ainda lúcido passou por uma tomografia
computadorizada e seguiu direto para a sala de cirurgia para uma operação que
levou cerca de cinco horas para a retirada do vergalhão.
O importante, destacou o médico, “foi a agilidade no atendimento
inicial, em meia hora ele já estava no centro cirúrgico”.
A equipe médica era composta de três neurocirurgiões, dois
anestesistas e dois cirurgiões bucomaxilofacial para, em seguida da retirada da
barra, reconstruírem a face de Eduardo.
A cirurgia
“A equipe fez uma abertura do lado direito do cérebro, foram
15 centímetros de diâmetro de osso retirado do crânio para expor todo o cérebro
do lado direito. O vergalhão foi retirado pela região do nariz no seio frontal.
Se tivéssemos retirado pela outra direção, por cima do cérebro, poderia ter
causado contaminação. A parte que estava fora foi limpa com uma solução
antisséptica”, detalhou.
Na cirurgia, Eduardo estava desacordado e com anestesia
geral. “O vergalhão foi puxado com o crânio aberto para que os médicos
monitorassem qualquer atividade ou impacto sobre o cérebro. Ainda com o crânio
aberto fizeram uma limpeza do cérebro com soro, depois o osso foi fixado com
quatro pinos permanentes”.
A cirurgia foi considerada um sucesso pela equipe. Depois de
cinco dias no CTI (Centro de Terapia Intensiva), o operário foi para a
enfermaria onde ficou até esta quinta ao levar alta.
Caso único
Apesar de o hospital ser uma unidade de referência para
emergência de traumas, o diretor do Miguel Couto admitiu que um caso desta
envergadura foi uma “novidade” para toda a equipe.
“A gente recebe o tempo todo pacientes encaminhados por
bombeiros com trauma. Estamos acostumados, recebemos um volume contínuo de
pacientes com traumatismo, acidentes de trânsito e vítimas de tiros”, disse.
O hospital tem diariamente equipes apostos para receber
casos de alta complexidade com médicos de neurocirurgia, ortopedia e cirurgia
vascular, além de cirurgia geral.
Houve épocas, que a unidade municipal chegou a receber 540
casos por ano de traumas oriundos de tiros. O mais comum hoje são traumatismos
cranianos de pessoas que se envolvem em acidentes de trânsito, uma média de
dois por dia. Só casos de acidentes com moto contabilizam 1.100 por ano.
Mas Eduardo Leite foi o primeiro na história do hospital a
ser vítima de um impacto tão grande e a sobreviver sem nenhuma sequela.
O operário está agora em casa e, em 15 dias, terá que
retornar ao Miguel Couto para fazer uma revisão médica com testes
neuropsicológicos para avaliar seus reflexos, reações, raciocínio e todos os
sentidos. Em casos de trauma, os pacientes são acompanhados pelos médicos por
um ano.
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